IGOR GIELOW SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em uma eleição qualificada por opositores exilados como um processo seletivo de candidatos aprovados previamente, o silêncio do cidadão de Hong Kong foi de uma estridente eloquência. Resta saber como isso será ouvido em Pequim.
Fechadas as urnas na maioria das seções, às 22h30 locais -11h30 deste domingo (19) em Brasília-, pouco menos de 30% dos 4,47 milhões de eleitores haviam comparecido para escolher o novo Conselho Legislativo do território. Nas cinco ocasiões anteriores, a marca mais baixa havia sido 43%, em 2000.
A eleição havia sido marcada para setembro do ano passado e cancelada sob a justificativa da Covid-19. O fato de que, no meio do caminho, em março deste ano, a ditadura comunista implodiu o sistema eleitoral honconguês deixa claro que talvez os motivos sanitários tenham sido secundários.
Mas o modelo que emergiu dos escombros foi amplamente rejeitado pela população.
O Conselho era a trincheira em que a oposição e grupos pró-democracia mantinham viva a relativa autonomia de Hong Kong, segundo o trato feito entre China e Reino Unido quando os britânicos devolveram a antiga colônia, em 1997.
Não que houvesse uma democracia tão liberal quanto o capitalismo do território, usado como entreposto financeiro entre Pequim e o mundo sem queixas chinesas ou estrangeiras do lado econômico. Mas, comparado aos engessados ritos políticos continentais, Hong Kong era uma Londres.
O desinteresse do eleitor decorre de dois pontos. Primeiro, apenas “patriotas”, aspas obrigatórias, podem agora concorrer no território. Desnecessário dizer o que isso significa. Segundo, o próprio Conselho foi desfigurado: antes eram eleitos diretamente 50% de 70 deputados; agora, são 22% de 90.
Com efeito, a fatia generosa dada à toda-poderosa Comissão Eleitoral de indicar 40 desses 90 nomes se refletiu no empenho desses 1.448 delegados chancelados por Pequim. O comparecimento entre eles, para selecionar entre 153 candidatos, foi de 98%.
Os 30 nomes restantes são escolhidos num complexo sistema de votação por categorias profissionais, uma herança britânica. Aqui, a abstenção seguiu o nível geral, com pontos fora da curva óbvios: a recém-criada guilda das empresas do continente registrou 99% de comparecimento.
A intervenção política foi um corolário lógico do enjaulamento dos instintos democráticos da antiga cidade-Estado, estimulado pelo trauma de 2019.
Naquele ano, os protestos pró-democracia, ou ainda em favor da consolidação real do modelo “um país, dois sistemas” para além da data-limite de 2047 acertada em tratado, saíram do controle.
Isso já havia acontecido antes, como em 2014, mas houve acomodação, inclusive por meio de um aumento de representatividade da oposição, expresso na mais recente eleição do Conselho, em 2016. Ali, barulhentos jovens ganharam lugar no sistema, mesmo que sem desafiá-lo de forma decisiva.